Neovocalidade e Intermidialidade

Ampliando a discussão

Ampliando a discussão

por Eleonora Frenkel Barretto -
Número de respostas: 8

Pessoal, o Luiz Roberto inaugurou o fórum e, a partir de seus comentários, faço as seguintes considerações, que copio para que todas e todos possam se envolver:

As performances (de L. Romão, M. Kambeba e B. Ferreira) são intensas, poéticas e políticas, e desfazem limites entre poesia e vida. No caso de Luiza Romão, o evento é um slam, uma ocasião em que a performance se realiza como co-presença dos corpos que falam e escutam. O slam, a poesia falada, os eventos na rua, os saraus na periferia das cidades são expressões importantes, espaços de empoderamento e resistência da juventude. Um fenômeno contemporâneo da poesia vocal. Creio que é importante que os estudos literários e culturais deem ouvidos a isso, pois há aí uma força da criação artística com a palavra que a abordagem textual da tradição ocidental europeia, da história da literatura, da regularidade das formas poéticas, não consegue captar.

E no caso de Marcia Kambeba e Bia Ferreira, cujas performances ocorrem mediadas por dispositivos de gravação?

Destaco a passagem do texto de Zumthor (Leitura 1), na p. 62, onde diz (em linhas gerais) que a civilização tecnológica sufoca o que existe de outras culturas e impõe o modelo da sociedade de consumo, e que frente a ela resistem as formas de expressão corporal dinamizadas pela voz; a isso ele está chamando de uma "nova era da oralidade", diferente da oralidade tradicional.

Penso que há ao menos duas coisas: como "outras culturas" não submetidas da mesma forma ao modelo de civilização colonialista europeu (ou que procuram resistir a ele) se valem de ferramentas tecnológicas para difundir seu trabalho, sua produção artística, suas formas de vida, suas cosmogonias? E como os dispositivos de controle que nos submetem cada vez mais diariamente se configuram também como meios de informação, comunicação, denúncia, expressão, manifestação artística e cultural?

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Re: Ampliando a discussão

por Maria Liz Benitez Almeida -

Seguindo os apontamentos da professora Eleonora, eu penso que a modificação dos meios de comunicação dos últimos anos permite que se abram novos espaços culturais e seja contestado o establishment cultural da mídia. Embora a performance de Luiza Romão tenha sido ao vivo, ela nos chegou através da internet. Ou seja, para nós, espectadores, todas as performances, incluindo as da Kworo Kango e Bia Ferreira nos chegaram de maneira midiatizada.

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Re: Ampliando a discussão

por Eleonora Frenkel Barretto -

sim! revela-se a potência desses dispositivos de mediação para a denúncia, o empoderamento, a resistência... ao passo que são também dispositivos de controle muito fortes.

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Re: Ampliando a discussão

por Gabriela Silvina Maltempo -

Olá novamente, tutorxs e colegas

Em todos estes vídeos o corpo protagoniza ao texto, textos que não aparecem na literatura convencional, que expressam  ritos,  denúncias,  situações sociopolíticas.

Todas as instancias tentam dar testemunha e fazer visíveis realidades locais através de conteúdos que os médios hegemónicos de comunicação vertical não amostram e a tecnologia serve como veículo para que estas performances poéticas, por tempo relegadas só ao signo e a quietude,saiam de um corpo individual e  conformem um corpo social capaz de ser compartilhado de maneira alternativa.

No vídeo do canto indígena,  seguramente integra um projeto de gestão cultural que pretende guardar, preservar e difundir parte do patrimônio imaterial dessa comunidade.A testemunha de Marcia em um palco próprio denuncia a situação de violência histórica para a mulher indígena, através de sua voz, em uma performance que a diferencia do vídeo anterior, comunica numa língua não própria da comunidade que conforma para que a denúncia se compreenda.Estes dois casos parecem ter a intervenção de otrxs responsáveis pela toma da imagem.

Bia Ferreira decide capturar sua própria imagem para a performance, escolhe rap para representar sua realidade, fato com o que procura a chegada ao público alvo *(aquele que nomeia, a quem lhe fala), e logo a disponibiliza na rede. E a Luiza, da testemunha num âmbito de sarau popular, realizando uma denúncia de injustiça social e ali é gravada, em aparência pelos seus receptores, pelo público participante, tornando-a convocadora.

Todos os casos tentam tornar visível realidades excluídas dos programas hegemónicos verticalizados e a tecnologia intervém para abrir caminhos transversais e garante chegadas massivas desde a ação de réplica individual.

Um abraço para todxs, aguardo comentários. .

Em resposta à Gabriela Silvina Maltempo

Re: Ampliando a discussão

por Eleonora Frenkel Barretto -

Bom dia, Gabriela,

Achei muito interessante essa análise da saída do corpo individual e conformação de um corpo social. Lembro, ainda, da leitura de Zumthor, sobre a voz com motor de energia coletiva, e de Rancière, com a ideia de partilha sensível. A partir disso, parece-me instigar pensar como se relacionam poesia, memória e comunidade.

Abraços.

Em resposta à Eleonora Frenkel Barretto

Re: Ampliando a discussão

por Vivianne Oliveira Rodrigues -

Muito interessante a discussão, bem em um dos pontos que me interessa, a questão individual e coletiva na performance. Acabei lembrando da "presença" da qual nos fala Zumthor e indaguei:

1- será que tem relação o aumento da presença com a passagem do corpo individual para o corpo social (se é que existe um corpo plenamente individual)?;

2 - Penso em alguém lendo e em alguém performando num slam, ambos performam, mas há mais presença no slam, certo? O slam por ter mais presença é mais social? 

3 - O grafocentrismo contribui para o isolamento do corpo, mas ao mesmo tempo não consegue mecanizá-lo, retirar sua presença. Ainda sobra um trisco de presença numa leitura, mesmo que sem voz e dentro de um quarto isolado.

O que traz o corpo social parece não ser somente o conteúdo político social do jogo de palavras, do que se diz, mas o impacto do corpo nos outros corpos e suas relações no ato. E se o conteúdo se refere a um grupo específico, tem-se a comunidade, mas aí parece ser outra questão.

Em resposta à Vivianne Oliveira Rodrigues

Re: Ampliando a discussão

por Eleonora Frenkel Barretto -

Acho que não seria tanto uma questão de pensar em mais ou menos presença, mas de destacar a copresença, a partilha, a construção de um tempo-espaço que se vivencia em conjunto. A ressonância, a vibração, o tato se configuram com mais força no corpo a corpo.

Em resposta à Eleonora Frenkel Barretto

Re: Ampliando a discussão

por Bruna Bittencourt -

A performance é ato de presença no mundo e em si mesma.

Se de acordo com Paul Zumthor, a poeticidade está ligada com a voz que o enuncia, então a performance é ato de presença no mundo e em si mesma. Se faz presença no mundo a potência das leituras de Ricardo Aleixo, Luiza Romão, Bia Ferreira e Marcia Kambeba, ‘onde a presença corporal do ouvinte e do interprete é presença plena, carregada de poderes sensoriais ’ e em si mesma através da neovocalidade, num exercício pessoal de restabelecer no ato de ler a unidade da performance.

No vídeo “O poemanto: ensaio para escrever (com) o corpo”, me chamou a atenção a primeira frase de uma leitura autoral performática de Ricardo Aleixo: Se você não falasse eu não perceberia. A comunicação é direta, se não se denuncia o racismo estrutural, se não se questiona o patriarcado arcaico e tão vigente, se não se proclama os direitos indígenas, muitos não os percebem em suas leituras solitárias, e desprovidas de sentimento, de sentido. Concordo que aqui a partilha de um tempo-espaço é essencial à poesia e principalmente, a sua mensagem. Ainda segundo Zumthor, a performance dá ao conhecimento do ouvinte-espectador uma situação de enunciação que a escrita tende a dissimular, mas na medida em que se busca o prazer do texto, o leitor desperto se empenha em restabelecê-la.

Em resposta à Bruna Bittencourt

Re: Ampliando a discussão

por Eleonora Frenkel Barretto -

Olá Bianca,

A meu ver, a presença e a partilha são insubstituíveis. Mas é claro que lidamos com as possibilidades que os recursos tecnológicos de mediação nos permitem.