Neovocalidade e Intermidialidade

Neovocalidade e Intermidialidade

Re: Neovocalidade e Intermidialidade

por Eleonora Frenkel Barretto -
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Boas ponderações, Mateus.

Veja, creio que não se trata de colocar a rejeição do modelo escrito como consequência da ampliação do universo da neovocalidade. Especificamente o desinteresse pela leitura em parte da juventude é algo que se pode explicar por aspectos culturais e históricos também. Mas me parece que o advento dos meios eletrônicos tende a desestimular a leitura nas gerações de fim do século XX e século XXI. 

Acho que é bem observado que há uma relação de retroalimentação no campo das artes e que escrita, a vocalização e a performance, mediatizada ou não, estão interconectadas.

O que é fundamental destacar é que, no contexto colonial, houve de fato uma destruição sistemática da oralidade e super valorização do saber letrado. Destaco uma passagem de Diana Taylor:

"O que mudou com a conquista não foi que a escrita deslocou a prática incorporada (precisamos apenas lembrar de que os jesuítas trouxeram suas próprias práticas incorporadas), mas o grau de legitimação da escrita em relação a outros sistemas epistêmicos e mnemônicos. A escrita agora assegurava que o Poder, com P maiúsculo, conforme Rama, poderia ser desenvolvido e imposto sem a opinião da grande maioria da população, os indígenas e as populações marginais do período colonial, sem acesso à escrita sistemática. Os colonizadores não apenas queimaram os códices antigos, mas também limitaram o acesso à escrita a um grupo muito pequeno de homens conquistados que eles sentiam que promoveriam esforços evangélicos. Enquanto os conquistadores se esforçaram por elaborar, ao invés de transformar, uma prática de elite e um determinado arranjo de poder baseado no gênero, a importância dada à escrita aconteceu às custas das práticas incorporadas como modos de conhecimento e de fazer reivindicações. Aqueles que controlavam a escrita – primeiro os frades e, em seguida, os letrados – ganharam poder excessivo. [..]

Práticas não verbais – como dança, ritual e culinária, entre outras -, que há muito tempo serviam para preservar um senso de identidade e de memória comunitária, não eram consideradas formas válidas de conhecimento. Muitos tipos de performance, considerados idólatras por autoridades religiosas e civis, foram totalmente proibidos. Asserções manifestadas por meio da performance – seja a ação de amarrar as vestes para significar casamento ou reinvindicações de terra performatizadas – deixaram de conter valor legal Aqueles que tinham dedicado suas vidas a estudar as práticas culturais, como esculpir máscaras ou tocar música, não eram considerados ‘especialistas’, uma designação reservada aos pesquisadores formados por meio de livros. À medida que a Igreja substituía suas próprias práticas performáticas, os neófitos não poderiam mais pretender utilizar seu conhecimento ou a tradição para legitimar sua autoridade. A fratura, a meu ver, não é entre a palavra escrita e falada, mas entre o arquivo de materiais supostamente duradouros (isto é, textos, documentos, edifícios, ossos) e o repertório, visto como efêmero, de práticas/conhecimentos incorporados (isto é, língua falada, dança, esportes, ritual).” (D. Taylor, Arquivo e repertório, 2013, pp. 47-48)