Neovocalidade e Intermidialidade

Neovocalidade e Intermidialidade

Neovocalidade e Intermidialidade

por Desirée Francine dos Santos -
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Antes de falar sobre os vídeos gostaria de pontuar algumas coisas que achei interessantes nas leituras de Zumthor e de Gonçalves & Gontijo.

A leitura de “Performance e Leitura” trouxe pra mim de forma evidente a presença do corpo pra se discutir performance, leitura e oralidade. A leitura traz uma vocalidade um pouco restrita devido ao diálogo estreito entre leitor e o texto escrito. A oralidade traz a voz não mais mediada pela leitura, portanto, uma voz que se quer propícia aos improvisos que a própria oralidade constitui enquanto percepção. A performance, por sua vez, reitera os corpos tanto do ouvinte como do intérprete como presenças plenas e estabelece o que estamos entendendo como neovocalidade, que é se pensar, também, a leitura e a oralidade de uma forma ressignificada.

Outro ponto que achei interessante do texto de Paul Zumthor foi ele tratar da caligrafia como uma exploração gráfica em que cria um ritmo visual aos poemas transformando-os em objetos. Gosto da ideia de poemas como objetos literários ou objetos artísticos! E então, a partir disso, existe a profundidade do olhar que permeia tanto a performance quanto a caligrafia analisando por este aspecto.

Já Rodrigo Gonçalves e Guilherme Gontijo trazem no trecho de “Algo infiel como performance tradução” a ideia da tradução como performática por criar algo novo e a performance como tradução como uma maneira de também criar, recriar ou cocriar. Ambas, tanto tradução como performance criam. Ao mesmo tempo os autores trazem a ideia de que guardar ou de-corar (guardar na memória/coração) um poema alheio é também doá-lo como próprio. (Achei essa parte bem poética.) Portanto quem guarda o poema alheio ou quem performa/ traduz o poema alheio também está ressignificando este mesmo poema.

 

Dos vídeos mencionados, três se configuram como performances em que podemos levar em consideração a autoria que são os de Bia Ferreira, Luiza Romão e Marcia kambeba.  Mesmo que essa questão de autoria ou originalidade, como posta no vídeo da professora Eleonora, não seja algo a ser muito relevante neste momento, uma vez que, a própria performance já se configura como tradução ou transcriação; acho importante ressaltar que essas três mulheres estão performando textos produzidos por elas mesmas.

A presença de Luiza Romão enquanto performer se dá não só pela temática de colonialidade e nacionalidade, mas também pela maneira como ela conduz a sua fala repetidas vezes diante de um público que está ali para ouvi-la e performar junto com ela. Ela está no contexto de batalhas de Slam, então é bem mais específico. Fixa num ponto por conta da necessidade do uso de equipamentos de som, ela não se encontra parada, se mostra muito gestual, expressiva, ou seja, ficar parada não é sinônimo de ser estático na performance. Ela soube muito bem explorar esse lugar “aparentemente imóvel” de maneira móvel pela poesia em performance. Vale ressaltar que o vídeo também foi muito bem editado, mostrando o contexto do Slam, a performer e o público que a acompanhava.

A presença de Bia Ferreira se dá enquanto potência de voz impositiva sobre a temática da necropolítica trazida por Achille Mbembe cuja citação é feita nas palavras evocadas por ela durante a performance. Bia se direciona (inteira com corpo, voz, postura, olhar) para uma câmera, traçando com seus passos, gestos e olhar um caminho ida e volta e uma postura altiva diante da câmera. Ela se mantém firme em falar o que se quer performando, apontando o dedo para câmera. O assunto é sério, ela séria. Bia, uma mulher, negra, falando sobre o histórico racial do Brasil. Muito potente. Acredito que a performance foi feita de forma completa sem edições.

A presença de Marcia Kambeba traz um contexto diferente, mas ainda assim trata-se de uma performance autoral bem perceptível assim como as anteriores. Marcia por ser indígena e do povo Kambeba traz a problemática da violência contra as mulheres indígenas ao mesmo tempo em que aborda a resistência anscestral que transforma a dor em amor. Kambeba se apresenta sentada em uma canoa em meio à natureza e utiliza “chocalhos” (não sei o nome do instrumento) como um instrumento que envolve e ilustra a sua fala. Ao final ela evoca a língua de seu povo. Marcia tem uma fala um pouco mais branda, mas não menos firme do que as outras. O vídeo dela tem uma vinheta inicial e está no famoso Canal Curta.

Já o vídeo legendado dos cantos dos Kayapós é uma performance das danças desse povo editada por Moacir Silveira, um homem branco, que não tem a menor relação com a comunidade indígena. Esse vídeo foi postado por Moacir Silveira cujo acesso aos cantos dos Kayapós foi feito pela gravação de um CD da cantora e pesquisadora de cantos indígenas, também branca, Marlui Miranda. Na descrição do vídeo consta que a própria cantora não traduziu o nome da música “Kworo Kango” pois, segundo ela, nem a tribo sabe o real significado da letra. (???) Bom, aqui fica evidente que ela quis deslegitimar a “tribo” para esconder a sua ignorância enquanto cantora que treina com o coral da USP para cantar “como os índios”. Este vídeo me fez refletir sobre as inúmeras imagens que geralmente não são autorizadas pelas comunidades indígenas e que, de alguma forma, são divulgadas/apropriadas por terceiros com a única finalidade de monetização. Isso é triste, mas mais que triste é um roubo, diz mais respeito à reprodução do estupro colonial sobre o qual Bia, Luiza e Márcia dizem do que qualquer outra coisa.

 

Minha conclusão de análise desses quatro vídeos é que devemos nos ater a cada detalhe dos vídeos performáticos, desde a pessoa que estabelece a performance, à produção, edição, lugar/espaço, momento de fala, enfim, tudo deve ser levado em conta. Inclusive creio que eu deva ter deixado passar muitas coisas, mas depois lerei os comentários dxs colegas pra saber o que visualizaram nas neovocalidades presentes. No mais, acredito que precisamos sempre estar pensando na descolonização de nossas redes e refletindo sobre quais são as pessoas para as quais nós estamos dando evidência.